Como encontrar sentido onde não há sentido?

Economia é a ciência que estuda a atividade produtiva. Focaliza estritamente os problemas referentes ao uso mais eficiente dos recursos materiais escassos para a produção de bens; estuda as variações e combinações na alocação dos fatores de produção (terra, capital, trabalho, tecnologia), na distribuição de renda, na oferta e procura e nos preços das mercadorias. Sua preocupação fundamental refere-se aos aspectos mensuráveis da atividade produtiva, recorrendo para isso aos conhecimentos matemáticos, estatísticos e econométricos. De forma geral esse estudo pode ter por objeto a unidade de produção (empresa), a unidade de consumo (família ou indivíduo) ou então a atividade econômica de toda a sociedade.

A escassez de recursos sugere a ideia de que os recursos materiais são limitados e que não é possível produzir uma quantidade infinita de bens tendo em conta que os desejos e necessidades humanas são ilimitados e insaciáveis. Partindo desse princípio, a economia observa o comportamento humano em decorrência da relação entre necessidades dos homens e os recursos disponíveis para satisfazer essas necessidades.

Dentro deste contexto, a premissa ou hipótese básica que dá sustentação à maior parte da teoria econômica e financeira moderna está calcada na racionalidade dos agentes econômicos, sejam eles indivíduos ou empresas. De acordo com essa suposição, todos os agentes econômicos são cem por cento racionais, isto é, usam todo o conjunto de informações disponíveis, públicas e privadas, da melhor maneira possível. Como consequência, teríamos decisões ótimas que maximizariam a satisfação ou utilidade desses agentes. Disso resulta que, se todos atuam individualmente de maneira racional, visando seu próprio benefício, os mercados que nada mais são que o resultado da interação desses agentes, são eficientes. Por eficiente entende-se que os mercados conseguem alocar os recursos disponíveis de maneira ótima.

Contudo, ao observarmos os comportamentos e decisões efetivamente tomadas por tais agentes econômicos no dia-a-dia, vemos pouca evidência dessa total racionalidade. O que verificamos é, via de regra, uma racionalidade limitada. Essa limitação tem origem em uma série de tendências comportamentais, a maioria delas inconscientes e inatas, muitas delas relacionadas ao próprio processo evolutivo do homem como espécie, que acabam por distorcer o comportamento do suposto agente econômico racional. Logo, se a racionalidade das decisões não predomina, os mercados não devem ser eficientes, ou ao menos não tão eficientes como a teoria econômica e financeira prevê.

Fato é que gostamos de pensar que somos donos de nosso destino, que nossas escolhas são sempre racionais e que usamos todas as informações de dispomos para sempre tomar a melhor decisão. Gostamos de acreditar que essas decisões irão gerar um maior grau de satisfação e bem-estar para nós mesmos. Gostamos de acreditar no conceito de que os mercados econômico e financeiro são eficientes.
Porém, se isso fosse verdade no “mundo real”, onde o futuro financeiro de pessoas, empresas e países está em jogo, por que observamos falências, recessões econômicas, bolhas especulativas, “crashes” e outros fenômenos distantes das previsões feitas pelos modelos econômico financeiros tradicionais, onde impera a total racionalidade? Esses eventos, quando estudados a fundo, revelam que o processo decisório humano está repleto de imperfeições que levam nossas escolhas para longe daquilo que é previsto pelos modelos econômicos tradicionais.

A fragilidade da hipótese da racionalidade fica ainda mais aparente se a estendermos para outras esferas da atividade humana, nas quais o destino e o bem-estar das pessoas também estão em jogo: educação, medicina, política, relacionamentos, etc. Frequentemente superestimamos nossa capacidade de realização subestimamos o tempo necessário para executar determinada tarefa, nos apegamos a investimentos com retorno abaixo do esperado, ignoramos informações importantes que revelam precariedades em nossos argumentos, temos dificuldades em adotar hábitos saudáveis e abandonar os não saudáveis, etc.

Devemos então tentar entender o que influencia o processo decisório humano. Por consequência, se falamos em decisões, também falamos em escolhas. É muito comum lermos frases como “a vida e feita de escolhas” sendo proferidas pelos mais variados autores e pensadores. Somos levados a fazer escolhas diariamente. Ainda que tentemos justificar e racionalizar nossas decisões, nossas escolhas esbarram num problema complexo. De acordo com Freud “as ações do homem são fortemente influenciadas por uma instância que foge ao entendimento racional e que, em si, apresentam características primitivas”. Ainda nas palavras de Freud “o homem não é dono de si e nem de sua própria morada”. Pensar uma instância psíquica que vai além do racional é, dentro da teoria freudiana, um tema central. Freud levanta a questão da parte inconsciente da mente, que é muito maior que a parte consciente. Em seu ensaio sobre a liberdade da vontade, Arthur Schopenhauer _ filósofo alemão que influenciou a obra de Freud _ propõe que a liberdade de escolha está subordinada à necessidade e dela é escrava. A escolha não revela ideias superficiais, mas responde ao conjunto de nossos sentimentos, de nossos pensamentos e de nossas aspirações mais íntimas.

Como orienta a psicanálise, a predominância inconsciente do funcionamento mental não nos permite ter consciência total dos porquês de nossos desejos e isto nos faz incapazes de nos tornarmos senhores de nossas escolhas. Freud sustenta que o inconsciente possui suas regras próprias, tanto de comunicação como de funcionamento e é constituído por conteúdos que não estão presentes no nível consciente. Isto significa que, em última análise, nossas escolhas nunca são inteiramente conscientes ou racionais e, na realidade, a maior parte delas fazemos sem saber exatamente o motivo.

Como disse Wilfred Bion: “ A razão é escrava da emoção e existe para racionalizar a experiência emocional”. Logo, é fundamental identificar, evidenciar e compreender a origem dos fatores que influenciam o processo de tomada de decisão. Ter um melhor entendimento dos vieses cognitivos e motivacionais a que estamos sujeitos aliados a um pensamento prévio e estruturado sobre a forma e contexto no qual as decisões são tomadas  pode ter um impacto significativo na qualidade de nossas escolhas.

O escudo do perfeccionismo

Emoção pode ser definida como uma agitação de sentimentos, um abalo afetivo ou moral, uma perturbação ou comoção.

Em Psicologia significa uma reação orgânica de intensidade e duração variáveis, geralmente acompanhada de alterações respiratórias, circulatórias, etc., e de grande excitação mental (Dicionário Houaiss). Em outras palavras, emoção refere-se a um sentimento e seus pensamentos distintos, estados psicológicos e biológicos e uma gama de tendências para agir. (Daniel Goleman, em Inteligência Emocional).

Há centenas de emoções, juntamente com suas combinações, variações, mutações e matizes. Duas das emoções mais intensas do ser humano são a vergonha e a culpa e as suas variações e/ou derivações: vexame, mágoa, remorso, humilhação, arrependimento, desonra, indignidade, etc.

Vergonha e culpa são duas emoções negativas e resultam da avaliação que o indivíduo faz em relação a atitudes, falhas, erros, transgressões, etc, que são cometidos, tendo em conta valores e regras que são aceitáveis para si.

De forma bem simplificada, podemos dizer que a culpa está relacionada a uma avaliação negativa de um comportamento específico não afetando sua própria identidade. É interessante observar que o termo alemão para culpa (schuld) também pode significar dívida. A culpa motiva uma ação reparadora, um pedido de desculpas ou uma tentativa de desfazer o mal causado. Já a vergonha tem como consequência uma avaliação negativa de si próprio, acompanhada por um sentimento de desvalorização, impotência, rejeição, inadequação ou inferioridade.

Os sentimentos provocados pela vergonha têm origem numa confusão relativamente comum: mistura-se a própria individualidade com o comportamento. E também é comum estes sentimentos serem potencializados por conta da comparação com outras pessoas (os outros são melhores!).

E o que o perfeccionismo tem a ver com isto tudo?

Simples: Ele é um mecanismo de defesa. É a crença de que é possível diminuir ou evitar a vergonha (ou a culpa) caso algo (não importa o que) seja feito com perfeição. Perfeccionismo não é busca pela excelência ou desenvolvimento pessoal.  É uma tentativa de obter aprovação e aceitação.

É fundamental entender a diferença entre esforço saudável e perfeccionismo. Enquanto esforço saudável põe foco na própria pessoa, no perfeccionismo, o foco são os outros. Um pergunta “Como eu posso melhorar?”, enquanto o outro pergunta “O que os outros vão pensar?”.

O perfeccionismo é um desvio perigoso, que não nos leva ao sentido da vida ou aos nossos talentos. Por si só, o perfeccionismo é autodestrutivo, já que não existe nada que seja perfeito. Temos a ilusão que o perfeccionismo nos protege, mas na realidade ele nos impede de decolar.

De acordo com Brené Brown (em A Arte da Imperfeição), o perfeccionismo pode abrir as portas para a depressão, o nervosismo, vícios e paralisia na vida. Quantas oportunidades são perdidas na vida por termos medo de mostrar ao mundo algo incompleto ou imperfeito? Quantos sonhos deixamos de perseguir devido ao nosso medo de errar ou fracassar? A quem estamos efetivamente desapontando? Aos outros ou a nós mesmos?

Quem é perfeccionista tem medo de arriscar, pois ao fazê-lo, coloca seu valor pessoal em jogo.

Livrar-se do perfeccionismo requer uma viagem de autoconhecimento. É necessário tomar consciência das vulnerabilidades e desenvolver resiliência a elas. Analisar nossos medos e mudar a forma como falamos conosco são duas medidas essenciais para superar o perfeccionismo.

Como a própria autora diz: “É no processo de aceitar nossas imperfeições que descobrimos nossos verdadeiros dons: coragem, compaixão e conexão”.

A força e o poder da vulnerabilidade

Alguma vez você já se sentiu vulnerável?

Já se sentiu frágil? Fraco? Ameaçado? Desconfortável?

A maioria de nós não gosta de se sentir assim, não é verdade? É difícil lidar com este sentimento. É uma sensação que nos incomoda, que nos envergonha.

A palavra vulnerável tem sua origem no latim: vulnerabilis, “que pode ser ferido ou atacado”, vulnerare, “ferir”, vulnus, “ferida ou lesão”. No Dicionário Houaiss vemos que vulnerável é um adjetivo que significa “sujeito a ser atacado, derrotado, frágil, prejudicado ou ofendido”.

Nos sentimos vulneráveis em momentos de incerteza, risco e exposição. Como já visto anteriormente o medo é uma reação involuntária e natural com a qual o ser humano convive ao longo da sua vida. Medo é um estado afetivo e emocional necessário para que nos adaptemos ao meio que nos cerca. Normalmente surge quando ocorre um estímulo que cause no indivíduo ansiedade, angústia e insegurança.

O problema surge quando evitamos situações e relações que sabemos que provocarão esse sentimento. Muitas vezes tendemos a fugir daquilo que seria o assunto mais espinhoso e que é verdadeiramente o conflito. Isto leva a um ambiente ou relação de pouca confiança. Uma relação na qual não se fala de coisas importantes para não causar desconforto. O resultado é comunicação falha, propensa a mal-entendidos e com pouco espaço para a sinceridade.

O medo de errarmos, de sermos criticados, julgados ou ridicularizados também contribui para este quadro. É um problema cultural: De forma geral, não lidamos bem com o que nos parece fraqueza. Não podemos demonstrar emoção, pois isto está ligado à instabilidade e à perda de controle. Temos medo de deixar nosso verdadeiro “eu” ser visto e conhecido. Como resultado tentamos sustentar uma imagem de segurança e autossuficiência que faz com que percamos nossa própria essência. Idealizamos um comportamento racional, o que é simplesmente impossível. Nos tornarmos cavaleiros presos em nossa própria armadura.

Mas… e se você olhasse a sua própria vulnerabilidade com outros olhos? Essa pergunta também pode ser feita de outras maneiras: E se você deixasse de ser um espectador e passasse a ser o ator principal de sua própria vida? E se você deixasse de ver sua vida passando pela janela? E se você efetivamente passasse a se arrepender das coisas que fez e não das coisas que deixou de fazer? E se você tomasse as rédeas da sua vida? E se…?

Viver é experimentar riscos, incertezas e se expor emocionalmente e isto não precisa _ e nem deve! _ ser uma coisa ruim. Quando fugimos de emoções como medo, mágoa e decepção, também nos fechamos para o amor, para a criatividade e para a aceitação. É justamente por isto que aqueles que se defendem de todas as formas dos fracassos e dos erros se frustram e se distanciam das experiências marcantes que dão significado para a vida. Por outro lado, aqueles que se abrem para coisas novas e se expõem são mais autênticos e realizados. Ter coragem para arriscar, viver experiências novas, dizer coisas importantes, tudo isso implica em encarar e abraçar a vulnerabilidade.

Como fazer isto?

Um dos primeiros passos é procurar entender nossa própria relação com a vulnerabilidade. Aprendemos com nossas experiências desde cedo e nem sempre nos damos conta de como agimos e pensamos (Na verdade não nos damos conta, mas isto é assunto para outro post…). Uma forma de fazer isto é olharmos para nós mesmos e tentarmos analisar situações em que ficamos irritados ou frustrados e tentarmos entender os pontos comuns entre elas. Compreendendo melhor essa dinâmica fica mais claro definir e entender o que nos atinge em cada situação e aceitar nossas emoções. Consequentemente, ficamos menos reféns do medo de enfrentá-las.

Isso passa também pela forma como lidamos com as falhas. Ao não aceitarmos falhas e ficarmos apenas buscando culpados (em nós mesmos ou nos outros), dificultamos nossa capacidade em assumir riscos e nos envolvermos. Em outras palavras, dificultamos a conexão e a sintonia com os outros.

Conexão e sintonia são palavras-chave.

Para Aristóteles, o homem é um sujeito social que, por natureza, precisa pertencer a uma coletividade. Somos, portando, animais comunitários, gregários, sociais e solidários. Temos necessidade de aceitação e pertencimento.

Em seu livro Inteligência Social: O poder das relações humanas, Daniel Goleman estuda como as mais recentes descobertas em biologia e neurociência confirmam que somos programados para encontrar sintonia e que nossos relacionamentos moldam nossa biologia bem como nossas experiências. Ele escreve: “Quanto mais fortemente estamos conectados a alguém, maior é a força mútua”. É por esta razão que precisamos de pessoas por perto que nos aceitem quando falhamos e nos apoiem quando estamos com medo. Quais pessoas são essas? São aquelas com quem temos reciprocidade. Aquelas com quem construímos uma relação baseada em limites e confiança.

Não é à toa que a vulnerabilidade está ligada à coragem. Ser vulnerável é ter a coragem de compartilhar as suas experiências e sentimentos com pessoas que conquistaram o direito de conhece-los. Como afirma Brené Brown no livro A coragem de ser imperfeito, no final das contas, forte não é aquele sempre usa a máscara da felicidade absoluta. Forte é aquele que se permite demonstrar o que sente, assumindo erros e feridas. Em um mundo de aparências, em que a segurança, a eficácia e a força são tão valorizados, aquele que se atreve em determinado momento a renunciar à sua armadura de aparente perfeição demonstra uma coragem notável. E o fato de o fazer não demonstra uma derrota, muito menos um ato de fraqueza.

Como diz a música de Gonzaguinha, é preciso “viver sem ter a vergonha de ser feliz”. Cabe a você dizer qual vai ser o próximo passo da sua história.